sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Fogos


 “Se fizermos um bom trabalho na prevenção dos fogos, ninguém nos dá valor” - Richard de Neufville* - em conversa com a jornalista Mariana Oliveira - PÚBLICO, QUA 7 OUT 2015 - de cujo artigo segue, com a devida vénia, o fragmento:
 (…) Se não se fizer a prevenção, o material combustível vai-se acumulando na floresta e se não o retirarmos de lá, quando um fogo começar … tem mais combustível e será mais difícil de combater. Isto é um problema recorrente de gestão: tendemos a olhar para as coisas que estão a correr mal e esquecemos de como as prevenir. Se fizermos um bom trabalho na prevenção dos fogos, ninguém nos dá valor. As pessoas têm que perceber que é importante prevenir.
Mas são políticas pouco visíveis e que só dão resultados a longo prazo…
É pelas mesmas razões que damos vacinas às crianças. Preferimos prevenir as doenças a esperar que as crianças adoeçam e então tratarmos delas.
Os políticos têm que ser sensibilizados para apostar na prevenção?
Não é investir tudo na prevenção, mas equilibrar os gastos entre o combate e a prevenção. O importante é que o país perceba que a prevenção é uma forma importante de lidar com o problema. É nossa responsabilidade, como comunidade, garantir que coisas más não aconteçam. Na mesma lógica da vacinação das crianças. Percebo que é excitante comprar novos equipamentos, como helicópteros, mas tem que haver uma abordagem equilibrada
Também estudaram o problema dos reacendimentos. O que concluíram?
Como há muitos fogos em simultâneo, há uma tendência para abandonar os fogos já controlados. As equipas pegam em todo o seu equipamento e vão combater outro fogo e o primeiro fogo começa outra vez. Os números são bastante impressionantes. Na região do Porto, a que estudamos, houve um fogo que se reacendeu 28 vezes. Isto é muito esforço desperdiçado. (…) Só porque não há grandes chamas, não quer dizer que o fogo tenha terminado.
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*- Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), investigador do Projecto Fire-Engine, integrado no Programa MIT Portugal; participante no 1º Fórum de Sustentabilidade 2015 dedicado à defesa da floresta contra incêndios, organizado pelo grupo Portucel Soporcel.
Nota 1 -  pensamento:
Lamento que tão sábias palavras, proferidas há dez meses,  tenham caído em saco roto. Se os poderes públicos (e privados) tivessem seguido os seus conselhos, hoje não estaríamos a assistir às cenas habituais da "tragédia" bem conhecida (há décadas!)
Nota 2 - boas práticas:
O flagelo dos incêndios deve ser combatido por cada um de nós, através de iniciativas de vária ordem, como por exemplo, a adesão ao apelo dos Bombeiros Voluntários de Viseu a solicitar ajuda monetária, doação de víveres, etc.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

O Quarto fechado

Sábado, de manhã, o filho mais velho manifestou vontade de se despedir da avó antes de embarcar para o estágio de intercâmbio universitário em terras do brasil.

Nós - mãe, filho mais novo e eu -, aplaudimos, porque já tinha decorrido algum tempo desde a última visita à querida anciã.
Estacionámos mesmo em frente ao prédio onde mora.
Subimos: o Proutsy é o primeiro a aparecer, recebe-nos aos saltos e latidos, sinais de enorme alegria.
Dirigimo-nos ao quarto (desde que veio do hospital, ocupa um quarto que não o do casal): estava deitada, à fresca e entretida a ler o folheto das promoções do supermercado mais próximo.
Não se mostrou muito admirada pela surpresa da visita: não estava para grandes conversas, respondendo às perguntas com frases curtas; a determinada altura, como é seu hábito, questiona o filho mais novo sobre o curso que vai escolher.
Enquanto decorre esse breve diálogo, dirijo-me ao quarto [ que era o do casal e, nos últimos tempos, acolhia apenas o meu sogro, razão pela qual, em família, se chamava "o quarto do avô"] -foi lá que  lhe dei o último abraço : “esta é a última vez que nos vemos”, palavras que, na ocasião pareciam destituídas de sentido, mas, que, hoje, vejo como prenúncio do que, volvidos três dias, viria a acontecer. 
Não sei explicar muito bem o que é que me impeliu para o compartimento; sei apenas que para mim era fundamental o regresso àquele espaço, rever as quatro paredes que constituíam o seu pequeno mundo [era ali que se refugiava, lia, cultivava o seu gosto pela música – aprendeu a tocar guitarra e acordeão, utilizando instrumentos musicais que ali tinha sempre à mão].
Eis senão quando, deparo com a porta fechada á chave.  Mas porquê, se nada havia para esconder, antes pelo contrário, muito havia para lembrar, agarrar e aprender!?
Incrível: tantas vezes ali entrei, durante mais de vinte e quatro anos, nunca senti qualquer sintoma de rejeição.
Que estupidez, uma coisa daquelas!
“Não sei quem a fechou” – diz a querida anciã.
A Isabel, atónita, retorquiu: “Só poderia ter sido a…  [não interessa dizer o nome].

Como estava próxima a hora do avião, despedimo-nos. No hall, o Proutsy ficou inconsolável, irrequieto, aos saltos, não nos largava.
“Está triste” – diz o filho mais novo, sensibilizado pelo estado do bicho.

Enquanto dizia adeus,
fiquei a pensar que o pobre animal sofria, não só pela nossa partida –  já não é coisa de pouca monta -, mas também por terem fechado o quarto  e, por via disso, impedido a visitação dos aposentos do velho amigo, onde sempre foi acarinhado!
Uma afronta
irreparável injustiça!