sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Conversas


Há quem diga que a tarefa de tradução é complicada por "culpa" da língua portuguesa: nem sempre é possível encontrar  palavras que reproduzam fielmente o texto original em língua estrangeira.
Sempre desconfiei dessas vozes pessimistas.
Será defeito da nossa língua? – era a questão que sistematicamente colocava.
Encontrei, por casualidade, uma resposta categórica na entrevista a David Mourão-Ferreira publicada na “COLÓQUIO/Letras” nº 145/146 (Julho de 1997), de que transcrevo o seguinte extracto:

“ – A língua portuguesa permite-lhe exprimir-se como deseja?
– Permite, não tenho razões de queixa da língua portuguesa. O meu grande mestre, mestre na Faculdade e em termos afectivos, Vitorino Nemésio, uma figura absolutamente extraordinária que conhecia a língua portuguesa como eu nunca conhecerei (só encontrei mais duas pessoas assim: o Aquilino Ribeiro e o Tomaz de Figueiredo - este é praticamente desconhecido, e é injusto), disse-me uma vez: “Nunca apanhei a língua portuguesa em falta.” Isto a propósito duma tradução que tinha feito. Por mais difícil que seja aparentemente ou à primeira vista dar em português qualquer coisa que estava dada numa outra língua, consegue-se sempre; eu acho que isto acontece com todas as línguas, no fim de contas. (…)

– A um leitor que se aproxime pela primeira vez da sua poesia, como é que aconselharia a lê-la, com que espírito?
– Com espírito de abertura, que é também aquele espírito com que leio a poesia dos outros. Ou por outras palavras, num espírito de, tanto quanto possível, absoluta receptividade. É preciso deixar que os poemas encontrem eco no espírito de quem os lê para aí se completarem, porque um texto poético, ou mesmo narrativo, não está completo quando sai das mãos do seu autor: é o leitor que o completa.”

Palavras geniais que tanto me fascinam e reconfortam a alma: parece que estou a ouvi-lo pessoalmente (lembro-me muito bem da figura do escritor, que conhecia através dos seus programas literários passados na TV).
A propósito, o António Lobo Antunes, na entrevista que concedeu ao suplemento Ypsilon do Público de 9 do corrente mês, à pergunta O que há de fantástico nas conversas com escritores , o chegar perto do enigma do talento? respondia: “Talvez. Não sei. Ainda vou à feira do livro e fico a olhar para a fila dos autógrafos dos outros e a olhá-los porque eles escrevem. Os autores. E volto a ser o miúdo que era quando vinha do liceu e passava ao pé do jardim zoológico. Havia ali uma cervejaria chamada Coral onde comiam grandes génios à quinta-feira, a Natália Correia, o David Mourão-Ferreira, e eu ficava do lado de fora, com 14 ou 15 anos, fascinado a olhar para aquela gente. Atraem-me os escritores. Parece que têm contacto com outra instância qualquer.”