Olho para o interior da gaiola e vejo laivos de sangue vivo, dispersos pelo comedouro [o local onde tantas vezes vi a hamster em busca de comida com que enchia as bochechas ou logo ali remoía, toda curvada numa encantadora posição].
O filho mais velho, seu tutor, pergunta sobre as possibilidades de recuperação…
“Infelizmente…
As dúvidas e hesitações da médica preocupam-no, mas não lhe retiram a esperança.
E o filho mais novo também acredita … ele, sim, que sempre tão bem cuidou dela, muito especialmente naqueles sete meses, em que o irmão esteve na Faculdade.
“Vermelho vivo” – a imagem persiste… invade a alma, “sangue do meu sangue”- vem à memória a frase da canção que tantas vezes ouvi na rádio. E não contive as lágrimas que me banharam o rosto.
- Não sei como querem fazer?! – pergunta a médica.
- Continua internada – afiança logo a mãe que sabe que em casa não lhe poderíamos dar a assistência especializada como a do Hospital.
E assim aconteceu.
Saímos abalados e incrédulos com aquilo que estava a acontecer à Áurea, prostrada e irreconhecível… e logo ela, geniquenta criatura!
Difíceis as horas que iam passando sem boas novas.
“Sangue do meu sangue…” – a música matraqueava na cabeça e fazia jus aos laços afectivos, que nos ligavam áquela “menina”.
Nessa noite em casa a noite não caiu.
No dia seguinte, ao meio-dia, antes da refeição, no Casablanca, a notícia caiu que nem bomba: e, então, ali mesmo, unidos pelo pão e pelo amor eternizado no filme, dissemos até sempre ao mais simpático e querido dos seres vivos.